DOCUMENTOS DOS PRESOS POLÍTICOS BRASILEIROS Acerca da repressão fascista no Brasil, 1976



DOCUMENTOS DOS PRESOS
POLÍTICOS BRASILEIROS
Acerca da repressão
fascista no Brasil

Edições Maria da Fonte, 
Lisboa 1976

 CADERNOS DO
GRUPO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA SOCIAL
vol 1 - n 6
2017

São Paulo


 
De volta ao futuro

Carlos Malavoglia

O livro “Documentos dos Presos Políticos Brasileiros”, organizado pelo Comitê Pró-Amnistia Geral dos Presos Políticos no Brasil e publicado pelas Edições Maria da Fonte em Portugal em 1976, na sua última página traz a seguinte notícia:

23 de outubro de 1975 - Este documento já estava concluído quando tomamos conhecimento da notícia do «suicídio» do jornalista Vladimir Herzog ocorrido no dia 25 de outubro nas dependências do II Exercito - CODI /DOI (OBAN). Segundo a nota oficial expedida pelo Gomando do II Exercito, e amplamente divulgado pela imprensa nos dias 27 e 28, Vladimir - que havia sido intimado a apresentar-se na sede da OBAN, tendo ali comparecido na manhã do mesmo dia 25 - «foi encontrado morto, enforcado, tendo para tanto se utilizado de uma tira de pano». Com o objetivo de corroborar essa versão, aquele organismo divulgou ainda laudo pericial de «causa mortis» assinado pelos médicos Arildo \/iana e Harry Shibata. Esclareça-se que este ultimo, verdadeiro Mengele do Brasil de hoje, é quem sistematicamente firma os atestados de óbito de preso políticos assassinados pela OBAN.”

A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog em 1975 marcou um dos períodos mais sangrentos da ditadura militar e somou-se aos crimes contra tantos outros opositores do regime dos generais golpistas de 1964, fossem os opositores militantes ativos nos partidos de esquerda tornados ilegais pelo regime militar, ou participantes na resistência armada, fossem sindicalistas e operários, membros de minorias, estivessem às margens ou na periferia da “oposição consentida” do “bipartidarismo” artificial e artificioso instituído pela ditadura, nas reduzidas esferas da “opinião pública” vigiada, ou enquanto opositores de consciência, como cidadãos comuns, parte da juventude estudantil, profissionais simpatizantes da oposição militante, etc.

Tantos assassinatos, perseguições, torturas que seguem ainda, como no caso de Vladimir Herzog, impunes no Brasil de 2017. E assim seguirão na história da nação brasileira que mais uma vez assiste a ruptura da ordem legal com o golpe de 2016. Golpe que desta vez é realizado com o concurso ativo do sistema judicial, do aparato de comunicações legado pela ditadura militar: a (ironicamente) chamada “imprensa livre", mais propriamente: o monopólio privado da opinião "pública", verdadeira indústria da chantagem e da manipulação massivas, e, enquanto expressão e produto da espoliação neoliberal contemporânea (somada ao legado colonial e neocolonial brasileiro), com o apoio fundamental da estrutura "representativa" (partidos, políticos, instituições de governo e de estado) da "democracia" dos "mais iguais que os outros".

Pouco mais de três décadas nos separam do fim da ditadura militar e constatamos na crise brasileira atual que, para a nossa classe dominante, sempre entusiasticamente subordinada aos centros do poder mundial, a democracia é simples elemento decorativo, “window dressing” na expressão inglesa, que mal esconde o autoritarismo e a barbárie constitutiva da posição e da prática de classe cotidiana das “elites” nativas. Para estas, a democracia é uma espécie de “flor exótica", frágil, efêmera, ao sabor dos "humores" e das conveniências dos "eternos" donos do poder de fato no país.

Com o golpe e o desgoverno Temer-Meirelles, apoiado pelo judiciário, pelo monopólio das comunicações, pelos partidos da direita (e a inação de partidos de “esquerda”), por setores dos aparelhos de estado, constatamos (mais uma vez, para nosso infortúnio) que o grande “projeto nacional” da burguesia nativa, sua “utopia” intensamente almejada, é, como afirmou um arguto analista libertário, uma espécie de “retorno à República Velha”, ao poder inconteste das oligarquias, um retorno à estrutura estamental e, quem sabe mesmo, com um pouco de sorte e a “boa vontade” de dominantes e dominados, um retorno à escravidão pura e simples. A quem objetar como “caricatural” esta nossa caracterização do momento nacional, devemos simplesmente responder apontando com o dedo os personagens centrais (sumamente grotescos, de insuperável, superlativa mediocridade) da nossa farsa política atual: Temer, Meirelles, Maia, Aécio Neves, Gilmar Mendes, Sérgio Moro, as famílias da Máfia Midiática, os para-jornalistas globais e seus associados e êmulos, os "xerifes" das policias e do judiciário, etc. Aqui a realidade supera a caricatura.

Neste contexto, a presente publicação não é apenas um ato ou dever de memória, não reproduz simplesmente fatos de um passado próximo, mas nos remete, queiramos ou não, ao coração do presente. Dito de modo sucinto e que pode chocar os desavisados, os mais "sensíveis", os "negacionistas" de plantão, os "conciliadores", os entendidos, os espertos e os espertalhões: o Golpe de 2016 não é apenas a ante sala da próxima ditadura mas é já a ditadura do século XXI se fazendo à vista de todos: uma "conspiração à luz do dia", que é sempre a mais eficiente forma de se conspirar.

O presente livro é, igualmente, um episódio da resistência e testemunho da solidariedade internacional, neste caso a solidadriedade dos democratas e revolucionários portugueses à luta contra a ditadura no Brasil. Ele nos chama à tarefa crucial, urgente, de organizar a resistência aqui e agora.






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